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Alexandre Miranda
Cirurgias minimamente invasivas
As cirurgias minimamente invasivas da coluna englobam um conjunto de técnicas e instrumentos cirúrgicos que foram recentemente desenvolvidos, inspirados na cirurgia videolaparoscópica do abdome que foi um avanço fantástico da cirurgia geral nos últimos anos.
A neurocirurgia, assim como toda a medicina, está em constante evolução. A cada dia surgem novidades que fazem aumentar a esperança das pessoas. Muitas dessas novidades se tornam realmente eficazes e nós, neurocirurgiões, estamos sempre nos aperfeiçoando para que possamos oferecer o que há de melhor para nossos pacientes. Muito em voga hoje em dia está a chamada cirurgia minimamente invasiva.
O objetivo da cirurgia minimamente invasiva é, através de incisões menores e com auxílio de materiais especialmente desenvolvidos ou adaptados, realizar os mesmos procedimentos cirúrgicos tradicionais, mas com um dano menor ao organismo. A cirurgia então seria a mesma, porém seria feita através de aberturas menores. Com isso a recuperação do paciente seria mais rápida.
Mas uma novidade pode não significar, necessariamente, benefício para o paciente. E, caso uma técnica nova ofereça alguma vantagem, cabe analisar suas desvantagens. De que adianta uma coisa ser muito boa em um aspecto e ser péssima em outro? Muitas técnicas quando são lançadas ainda passam por um período, que em medicina é bem longo, de aperfeiçoamento. Outras serão descartadas após alguns anos por demonstrarem falhas que não foram detectadas em laboratório ou nos animais que serviram de cobaias.
Alguns termos como "minimamente invasivo", "titânio" e "laser" são altamente sedutores pois nos passam a ideia de coisas mais simples e modernas. Não só os pacientes têm essa sensação, mas nós médicos também temos. Porém, como especialistas, nós temos a capacidade de avaliar os riscos e os benefícios de cada novidade.
Veja algumas dessas técnicas aqui.
Cirurgias minimamente invasivas na coluna
Em neurocirurgia, as cirurgias minimamente invasivas atualmente são utilizadas principalmente para procedimentos na coluna vertebral, como hérnia de disco, por exemplo. Necessitam de incisões — um pouco — menores pois utilizam instrumentos especialmente desenhados para isto. Então a cicatriz é menor e a recuperação do paciente é mais rápida. Porém, elas têm o inconveniente de reduzir muito o campo de visão e a área de trabalho do cirurgião, o que aumenta o risco de lesões.
Para diminuir um ou dois centímetros na cicatriz, o neurocirurgião é obrigado a trabalhar em um espaço também um ou dois centímetros menor. A visão das estruturas fica comprometida e a amplitude dos movimentos bastante reduzida pois a cirurgia é feita através de um afastador pequeno, geralmente cilíndrico (vide imagem abaixo). Algumas vezes, não é possível utilizar o microscópio então o neurocirurgião tem que fazer a cirurgia a olho nu ou usando somente lupas.
cirurgia com microscópio
(microcirurgia)
cirurgia minimamente invasiva
Eu estou habilitado a realizar as chamadas cirurgia minimamente invasivas, porém, na minha opinião pessoal, atualmente os riscos de tais procedimentos não compensam em relação aos benefícios. Portanto, ainda prefiro a microcirurgia que utiliza o microscópio por ser o método que oferece maior segurança para o paciente. Deixarei para realizar cirurgias minimamente invasivas quando o nível de segurança das mesmas aumentar e se tornar satisfatório (para o meu ponto de vista).
A primeira imagem acima mostra a grande amplitude de movimentos utilizados em uma microcirurgia tradicional em que se utiliza o microscópio. Já na segunda imagem é possível observar a perda dessa amplitude de movimentos quando é usada a técnica minimamente invasiva. A parte colorida de azul representa esta perda e o neurocirurgião tem que se contentar em operar através de um pequeno túnel central.
Outra promessa da cirurgia minimamente invasiva é um período mais curto de hospitalização, podendo "receber alta no mesmo dia". Na microcirurgia que preferimos isto também é possível, mas também não acho que seja uma vantagem pois, mais uma vez, os riscos são maiores porque são nessas primeiras horas que os pacientes mais precisam de observação. A perda de sangue é menor nas cirurgias minimamente invasivas, mas essa diferença não chega a ser significativa a ponto de trazer alguma vantagem considerável.
Incisão típica de uma típica cirurgia minimamente invasiva = 2 cm
Incisão de uma típica cirurgia com microscópio = 3,5 cm
Avanço nas cirurgias abdominais
Para a cirurgia geral, que realiza procedimentos no abdome, o advento das cirurgias minimamente invasivas significou um marco de uma evolução técnica significativa que proporcionou ao paciente realmente um ganho fenomenal.
Nas cirurgias de abdome a cavidade abdominal é preenchida por ar (gás) o que faz aumentar bastante o espaço entre os órgãos e, consequentemente, a visão do cirurgião
Mas existe uma diferença crucial entre o procedimento realizado no abdome e o procedimento feito na coluna. Na cirurgia abdominal com vídeo o cirurgião geral injeta ar na cavidade abdominal o que proporciona um gigantesco aumento do espaço de trabalho. Isso é possível porque o abdome é elástico e se expande facilmente. A visão e a área de trabalho do médico aumentam consideravelmente pois ele pode trabalhar dentro de uma cavidade (a cavidade abdominal) com espaço de sobra.
Mas na cirurgia de coluna, onde não é possível injetar ar pois os tecidos ao redor das vértebras não têm quase nenhuma elasticidade, acontece exatamente o inverso. A visão do cirurgião fica bastante limitada pois não existe nenhuma cavidade e há muito pouco espaço de trabalho. E para tornar a situação ainda mais complexa, os objetivos de muitos procedimentos cirúrgicos realizados na coluna é exatamente corrigir a falta de espaço na região. Uma hérnia de disco, por exemplo, que comprime um nervo contra o osso, deixa tudo apertado e sem espaço à sua volta. Ou seja, a anatomia vertebral naturalmente já é bastante justa, sem folgas ou espaços vazios. As doenças e os problemas que aparecem na região e tem indicação de tratamento cirúrgico, frequentemente estão relacionados à diminuição de um espaço que já era pequeno. E os instrumentos das chamadas "cirurgias minimamente invasiva" são projetados para ocupar pouco espaço, ou seja, o acesso ao local fica ainda mais restrito.
Muitos procedimentos cirúrgicos realizados na coluna vertebral tem o objetivo de ampliar o espaço e descomprimir as estruturas nervosas
Como já foi dito, alguns termos como "placas e parafusos de titânio" e "minimamente invasivo" são altamente sedutores pois nos passam a sensação de modernidade, de "coisa nova", de pequeno e menos arriscado. Mas não é bem assim.
As artrodeses lombares são procedimentos que aumentam muito os riscos de uma cirurgia. As lesões de estruturas nervosas (nervos e medula) e as infecções não são eventos raros neste tipo de procedimento, então sua indicação tem que ser precisa. No tratamento de alguns tipos de fraturas da coluna, por exemplo, uma artrodese pode ser indispensável pois possibilita a fixação da área considerada instável. Já na grande maioria das cirurgias de hérnia de disco lombar, por exemplo, normalmente não é necessária nenhuma artrodese com placas ou parafusos.
Nas chamadas "cirurgias minimamente invasivas de coluna" o cirurgião fica com o campo de visão bastante restrito pois tem à sua disposição apenas um túnel cilíndrico formado pelo afastador.
As vantagens das cirurgias minimamente invasivas são cicatrizes alguns milímetros menores e uma recuperação no pós-operatório mais rápida. Como uma quantidade menor de músculo é afastada, o paciente sente menos desconforto após a cirurgia. Então o período de recuperação pode passar, digamos, de duas para uma semana. Existem trabalhos que comparam as cirurgias minimamente invasivas com as tradicionais = clique aqui para ver um desses artigos.
Porém essa semana e esses milímetros a menos têm um custo. Um campo de visão e área de trabalho menor para o cirurgião o que, na minha opinião, aumenta o risco para o paciente. A cirurgia feita com o uso do microscópio cirúrgico, ou microcirurgia, é um procedimento que foi desenvolvido há décadas e, por isso, já consagrado e sem surpresas desagradáveis. Foi progressivamente sendo aperfeiçoado ao longo do tempo e atualmente oferece alto índice de sucesso e segurança. Os microscópios cirúrgicos da atualidade são fabricados com tecnologia de última geração. O neurocirurgião pode operar com uma visão aumentada em muitas vezes o que permite extrema precisão, contribuindo para o bom resultado das cirurgias.
microscópio cirúrgico
Assista a um vídeo de uma microcirurgia de hérnia de disco lombar, captado por uma filmadora acoplada ao microscópio cirúrgico:
Consagrado x novidade
Uma simples analogia pode deixar mais clara essa situação que é o aparecimento de novas técnicas cirúrgicas em comparação com as cirurgias já consagradas:
Os aviões da empresa americana Boeing foram desenvolvidos na década de 1960 e não são nenhuma novidade. São modelos consagrados que foram sendo progressivamente aperfeiçoados e modernizados. Todos concordam que viajar em um avião grande como esses atualmente é extremamente seguro.
Mais recentemente, na década de 1980, foi inventado um modelo de avião novo, moderno e pequeno que não depende daquela quantidade enorme de componentes para voar. Pousa e decola usando pistas muito menores e a pessoa não precisa nem se deslocar para um aeroporto para poder embarcar. Chama-se ultraleve. Apesar de ter um projeto vinte anos mais novo, o ultraleve oferece segurança mínima.
Ou seja, nem sempre o novo é melhor e mais seguro se comparado ao que já está consagrado há anos. O mesmo podemos dizer a respeito de novas técnicas de cirurgia que surgem quase que diariamente. O paciente não tem como saber qual é a técnica mais adequada para o seu caso. Já o neurocirurgião tem o conhecimento necessário para oferecer o que há de melhor.
Boeing 747
Ultraleve