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Alexandre Miranda
Hidrocefalia de Pressão Normal
Hidrocefalia de pressão normal
Revisão da Literatura*
Texto destinado a médicos
Conceito
A Hidrocefalia de Pressão Normal (HPN) foi descrita pela primeira vez por Hakim e Adams como uma síndrome clínica caracterizada pela clássica tríade: demência, distúrbio de marcha e incontinência urinária, combinada com um aumento dos ventrículos, mas sem sinais ou sintomas de hipertensão intracraniana.
O mecanismo fisiopatológico mais aceito da Hidrocefalia de Pressão Normal é uma capacidade insuficiente de absorção de líquor (LCR), mas o exato mecanismo de desenvolvimento dos sinais e sintomas clínicos é desconhecido. Os sintomas são potencialmente reversíveis por uma derivação liquórica, desde que um diagnóstico correto tenha sido feito.
A Hidrocefalia de Pressão Normal (HPN) também é conhecida como Síndrome de Hakim-Adams. Salomón Hakim foi o primeiro a identificar a síndrome em 1957 no Hospital San Juan de Dios em Bogotá – Colômbia. Ele publicou, sob o título “The special clinical problem of symptomatic hydrocephalus with normal CSF pressure”, um relato de 6 casos que identificou, nas seguintes revistas médicas:
1964 - N. England J. Med.
1965 - J. Neurol. Sci.
A importância óbvia de conhecer a hidrocefalia de pressão normal é distinguir essa forma de demência e distúrbio de marcha de outras formas de demência senil com uma entidade tratável.
O distúrbio de marcha geralmente é o sinal inicial e o mais debilitante dos três nessa hidrocefalia. Também é o que tem maior chance de melhorar com uma derivação liquórica. Já quando a demência é o sintoma predominante a resposta à derivação pode não ser tão boa. Há vários relatos de melhora importante da demência depois da cirurgia porém, de maneira geral, são a marcha e a incontinência urinária os sinais que respondem melhor.
Diagnóstico
Existem vários exames utilizados para avaliar uma possível resposta a cirurgia, como RM cerebral, testes formais de marcha e neuropsicológicos, punções lombares com retirada de grandes volumes e drenagem lombar prolongada, mas nenhum deles tem sido considerado totalmente confiável.
Ver David Shprecher - Curr Neurol Neurosci Rep. 2008
Em síntese o diagnóstico é feito por:
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Tríade clássica:
- Demência
- Distúrbio da marcha
- Incontinência urinária
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Hidrocefalia comunicante na TC ou RM
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Pressões liquóricas normais ( < 180 mm H2O)
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Sintomas remediáveis com derivação
Etiologia
Apesar da Hidrocefalia de Pressão Normal ter sido descrita inicialmente por Hakin como uma síndrome de etiologia idiopática, alguns autores consideram que, em certos casos, uma causa pode ser identificada:
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Pós-HSA
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Pós-Traumática
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Pós-Meningite
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Pós-Cirurgia de fossa posterior
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Tumores, incluindo meningite carcinomatosa
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Deficiência de granulações aracnóideas
Quadro Clínico:
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Distúrbio de Marcha: geralmente precede os outros sintomas. Marcha de base larga com passos curtos e embaralhados, com instabilidade e vacilação nas curvas. O paciente sente como se estivesse “colado no chão” (marcha magnética). Ausência de ataxia apendicular
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Demência: inicia com déficit de memória, bradifrenia (lentificação mental) e bradicinesia
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Incontinência Urinária: geralmente inconsciente e involuntária (um paciente demente por qualquer razão ou com comprometimento da mobilidade pode ter incontinência.) - Esta incontinência pode responder a derivação mas a melhora na função urinária é menor que a melhora da marcha.
Exames e Testes Diagnósticos da Hidrocelia de Pressão Normal:
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Punção lombar
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Drenagem lombar contínua
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Monitorização contínua da pressão liquórica
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TC e RM
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Teste de infusão de Katzman
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Cisternografia com radiosótopo
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Medida do fluxo sanguíneo cerebral
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Rm com estudo do fluxo liquórico
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EEG
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Punção lombar ou drenagem lombar contínua?
Vejamos o que alguns autores recomendam:
Wikkelsø, (1982): punção lombar.
Schmidek, (1995): punção lombar e retira-se líquor até atingir a metade da pressão inicial.
Kahlon, (2002): punção lombar seguida do teste de infusão de Kaztman.
Marmarou, (2005): drenagem lombar contínua por 3 dias.
Williams, (2008): drenagem lombar contínua por 3 dias.
Quanto tempo depois da punção lombar é realizado o teste da marcha?
Wikkelsø, (1982): duas horas depois.
Kahlon, (2002): após uma a três horas. O paciente deve andar 18 m o mais rápido que puder e o número de passos devem ser contados.
Qual o volume a ser drenado pela punção lombar?
Schmidek, (1995): retira-se líquor até atingir a metade da pressão inicial.
Wikkelsø, (1982): retira-se 40-50 ml de liquor.
Drenagem Lombar contínua - A drenagem lombar contínua vem ganhando aceitação como um fator preditivo mais sensível em pacientes que não tiveram uma resposta significativa a PL.
Um cateter lombar é instalado e o líquor é drenado a velocidade de 10 a 15 cm3/ hora por 3 dias.
Entretanto, o valor deste teste tem que ser pesado contra sua natureza invasiva, custo, e os riscos de complicações associadas, incluindo cefaleia, radiculopatia e meningite bacteriana.
Medida da pressão intracraniana - Alguns pacientes com a pressão inicial normal demonstram picos de pressão maior que 270 mm H2O ou ondas A e B recorrentes.
Alterações que podem ser identificadas pela TC ou RM
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Pré-requisito: hidrocefalia comunicante
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Baixa densidade periventricular à TC ou hiperintensidade em T2: pode significar absorção transependimária de liquor
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Compressão dos sulcos na convexidade
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Arredondamento dos cornos frontais
Essas alterações, quando presentes, estão correlacionadas com uma resposta favorável à derivação ventricular, pois sugerem que a hidrocefalia não é devida a atrofia apenas.
Índice de Evans - Medida que serviria para identificar ventriculomegalia (hidrocefalia) sendo um dado a mais para ser juntado às outras informações. O Índice de Evans é obtido com a medida da maior largura dos cornos frontais dos ventrículos laterais, dividida pelo maior diâmetro entre as tábuas internas do crânio na região parietal. Tais medidas devem ser obtidas em um mesmo corte axial, tanto em TC quanto em RM. É considerado positivo, ou seja, sugestivo de ventriculomegalia, quando o valor é acima de 0,30 (30%). É importante observar que o Índice de Evans não indica, necessariamente, a presença de hidrocefalia. Ele apenas informa que os ventrículos estão grandes em relação ao volume do crânio, mas isso pode acontecer em outras situações, como na hipotrofia cerebral difusa do idoso, por exemplo.
Esta imagem mostra a tomografia de um paciente com hidrocefalia de pressão normal. Foram feitas as medidas para cálculo do Índice de Evans e o resultado foi 0,39 (39%). Ou seja, sugestivo de ventriculomegalia, pois é maior que 0,3 (30%).
Porém alguns autores consideram esse teste falho e impreciso. O maior problema é que as medidas podem variar em um mesmo paciente se forem usados planos diferentes ou se a inclinação do aparelho de TC ou RM for modificada. Veja o link de um trabalho que condena o Índice de Evans ➜
Em 2005 foi publicado um trabalho em que os autores tentavam criar um guia para ajudar no diagnóstico da Hidrocefalia de Pressão Normal. Eles fizeram uma revisão de 653 artigos científicos sobre o assunto publicados no período de 1966 a 2003. A partir disso, eles sugeriram que os pacientes com suspeita de Hidrocefalia de Pressão Normal fossem classificados em três categorias (“Evidence-based guidelines for the diagnosis of iNPH have been established through systematic review of 653 references dating from 1966 to 2003” Relkin N Neurosurgery, 2005):
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Provável
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Possível
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Improvável
Hidrocefalia de Pressão Normal Provável:
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Maiores de 40 anos
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Sintomas incidiosos por pelo menos 3 meses
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Pressão LCR inicial entre 70 e 245 mm H2O
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RM ou TC
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o Índice de Evans > 0.3
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o Aumento corno temporal, edema periventricular, ou uma alteração no fluxo liquórico pelo aqueduto/4º ventrículo
Hidrocefalia de Pressão Normal Possível:
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Menores de 40 anos
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Ou com sintomas iniciados há menos de 3 meses
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Pressão LCR inicial anormal ou não disponível
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Atrofia cerebral severa o bastante para explicar a ventriculomegalia
Hidrocefalia de Pressão Normal improvável:
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Papiledema ou outro sinal ou sintoma indicativo de outra causa
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Não tem ventriculomegalia ou componentes da tríade clínica
Recomendações especiais:
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Pressão liquórica elevada - investigar de imediato uma causa secundária.
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Resposta a retirada de um grande volume de líquor (40 a 50 mL) por punção lombar sugere um potencial benefício com a derivação.
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A drenagem lombar contínua pode ser realizada naqueles que não responderam bem a punção lombar como teste complementar.
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Assim como nenhum exame é patognomônico para HPN, alguns autores relatam que não há nenhum valor substancialmente significativo nos exames de estudo do fluxo liquórico por RM. Porém, é um exame que pode acrescentar mais dados e contribuir para o diagnóstico.
Tratamento cirúrgico:
A derivação ventrículo-peritoneal é procedimento de escolha. Recomenda-se o uso de válvula de pressão programável. Quando esta não está disponível, deve-se utilizar uma válvula de pressão média (65-90 mm H2O), pois as válvulas de pressão baixa aumentam o risco de formação de hematoma subdural por hiperdrenagem. Por este mesmo motivo, após a cirurgia, deve-se assentar o paciente gradativa e progressivamente por um período de dias antes de colocá-lo de pé.
A derivação lombo-peritoneal, utilizada por alguns, tem um risco muito maior de hiperdrenagem, portanto não é aconselhada pela maioria dos autores.
Pacientes que não melhoram após a cirurgia: deve ser feita uma reavaliação pensando, principalmente, na obstrução ou mau funcionamento do sistema de drenagem. Caso este esteja funcionante, recomenda-se substituição da válvula de pressão média por uma de pressão baixa.
Complicações da cirurgia:
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Hematoma subdural ou higroma
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Infecção na derivação
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Hemorragia intraparenquimatosa
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Convulsões
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Obstrução ou desconexão do sistema
Conclusão:
Apesar de ser conhecida há mais de 50 anos, a hidrocefalia de pressão normal ainda é um desafio diagnóstico para os neurocirurgiões, pois até hoje não existe nenhum procedimento ou exame de imagem patognomônico para esta síndrome. O diagnóstico da Hirocefalia de Pressão Normal é um desafio e requer uma combinação dos sinais e sintomas clínicos com os achados radiológicos e os testes diagnósticos, interpretados por um neurocirurgião experiente.
*Apresentada no Hospital UNIMED BH - Alexandre de Resende Pires Miranda