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Alexandre Miranda
História e evolução da neurocirurgia
Pode parecer incrível, mas o homem realiza cirurgias no crânio desde a pré-história!
Neurocirurgia desde a pré-história
Existem muitas evidências de que o homem começou a realizar procedimentos cirúrgicos no crânio cerca de 12 mil anos antes de Cristo. Já foram encontrados crânios humanos com falhas ósseas que tinham o mesmo formato de instrumentos cirúrgicos primitivos dessa mesma época.
Por causa disso, já foi até dito que o ato de "fazer buracos no crânio" é uma arte tão antiga que alguns consideram a neurocirurgia como sendo a segunda profissão mais antiga do mundo, perdendo apenas para a prostituição.
Parece estranho, mas é aceitável dizer que procedimentos rudimentares e primitivos tão antigos sejam caracterizados como cirúrgicos. Entretanto, devemos observar que o termo cirurgia vem do latim chirurgiae e significa trabalho manual. Segundo os dicionários, "procedimento cirúrgico é qualquer tipo de procedimento no qual o cirurgião realiza uma intervenção manual ou instrumental no corpo do paciente para diagnosticar, tratar ou curar doenças, ou traumatismos, ou para melhorar a funcionalidade, ou aparência de parte do corpo".
Crânio pré-histórico com orifício feito pelo homem
Escavações realizadas em vários continentes levaram à descoberta de diversos utensílios que serviam para perfurar o crânio e levantar ossos afundados de pessoas que haviam sofrido algum tipo de traumatismo. É impressionante observar que cirurgias desse tipo não ficaram restritas a determinadas áreas ou civilizações específicas. O maior número de descobertas ocorreu na Europa, mas muita coisa também foi encontrada em outros continentes, especialmente na África e na América do Sul. No Peru, por exemplo, foram achados instrumentos neurocirúrgicos feitos de bronze e pedras vulcânicas que teriam sido confeccionados pela civilização pré Inca que viveu naquela região. Esses artefatos datam sobretudo do final da Idade da Pedra, mais especificamente de um período conhecido como Idade da Pedra Polida, que vai de 8 mil até 5 mil anos a.C.
Podemos deduzir que muitas dessas cirurgias neurológicas pré-históricas foram bem sucedidas, já que os orifícios ósseos em diversos crânios encontrados mostravam sinais de cicatrização. Isso significa que o paciente sobreviveu ao procedimento cirúrgico.
Um crânio Inca encontrado no Peru com 4 trepanações ou orifícios feitos por humanos. Essas falhas ósseas já estavam cicatrizadas, indicando que o paciente sobreviveu aos procedimentos cirúrgicos.
Algumas cirurgias eram realizadas para tratamento de traumatismos cranianos, por exemplo. O procedimento consistia, basicamente, em elevar fragmentos ósseos afundados. Em outras situações, como nas epilepsias, dores de cabeça, infecções e doenças mentais, o objetivo era simplesmente fazer orifícios no crânio. Hoje em dia isso pode parecer absurdo, mas é possível imaginar que alguns pacientes tenham se beneficiado desse tipo de tratamento. Certos hematomas intracranianos, por exemplo, atualmente são tratados através de uma "drenagem" cirúrgica mediante trepanações ou orifícios feitos no crânio.
Crânios encontrados com as chamadas "trefinações" que são aberturas no osso realizadas pelo homem com o objetivo de tratar alguma enfermidade.
A neurocirurgia também foi utilizada por razões espirituais e mágicas. Neste caso, geralmente a prática era limitada aos reis, aos sacerdotes e à nobreza. Os orifícios no crânio eram feitos, por exemplo, para permitir a saída de "espíritos malignos".
Cirurgias cranianas eram realizadas para tratamento de vários tipos de enfermidade, inclusive mentais e espirituais.
Na idade média o praticante da medicina mais comum na Europa era o "cirurgião barbeiro". Ele era o responsável por cuidar dos soldados que voltavam das guerras. Nessa época, os médicos raramente faziam cirurgias. Esses procedimentos eram delegados aos barbeiros que estavam acostumados a manejar navalhas e tinham habilidade para realizar várias tarefas, desde cortar cabelos a amputar membros.
Tela do século XVI mostrando um cirurgião barbeiro retirando a "pedra da loucura" da cabeça de uma pessoa.
Brasil
O primeiro procedimento neurocirúrgico relatado no Brasil foi realizado pelo cirurgião Luis Gomes Ferreyra em 1710 na cidade de Sabará, Minas Gerais (Ferreyra, 1735; Niemeyer, 1976; Souza e Gusmão, 1994). Um galho de árvore havia caído sobre a cabeça de um escravo e causado afundamento no crânio. Por causa disso, o homem estava sonolento e não conseguia falar. O médico retirou os fragmentos ósseos, estancou a hemorragia e tratou a ferida com os produtos que tinha à mão, como "aguardente" e "clara de ovo". O paciente recuperou-se muito bem e voltou a trabalhar e falar, embora eventualmente falasse "alguma palavra com menos acerto".
Essa imagem é de Illustrations of the Great Operations of Surgery: Trepan, Hernia, Amputation, Aneurism and Lithotomy, by Charles Bell,1815.
Neurocirurgia moderna
A neurocirurgia moderna foi desenvolvida na esteira de três avanços bastante significativos que aconteceram no final do século XIX — o advento da anestesia geral, o controle das infecções e a localização cerebral. Esses eventos críticos aconteceram em um intervalo de tempo muito curto, de pouco mais de 30 anos, entre as décadas de 1840 e 1870. A partir desse período, a neurocirurgia deixou de ser uma subespecialidade da cirurgia geral para se torna uma especialidade.
Tela retratando uma anestesia com éter em 1846
Na primeira metade do século XX vários médicos contribuíram de forma significativa para o desenvolvimento das cirurgias neurológicas, merecendo maior destaque o trabalho do Dr. Havey Cushing nos Estados Unidos. Atualmente, ele é considerado o pai da neurocirurgia moderna.
Dr. Harvey Cushing, considerado o pai da neurocirurgia moderna, durante um procedimento cirúrgico e com uma criança recém operada
A partir da década de 1960, surgiram dois equipamentos que foram primordiais para o aperfeiçoamento da neurocirurgia: a tomografia computadorizada e a ressonância magnética. Através desses exames o médico passou a identificar com detalhes diversos tipos de patologias no crânio e na coluna vertebral. Nessa época também o microscópio passou a ser utilizado durante as cirurgias permitindo uma maior precisão e contribuindo para o refinamento das técnicas cirúrgicas.
Aparelho de tomografia computadorizada e cirurgia sendo realizada com a utilização do microscópio cirúrgico
Nas últimas décadas a neurocirurgia, assim como a medicina de modo geral, vem passando por uma evolução bastante significativa, principalmente com o desenvolvimento e o aperfeiçoamento de diversos equipamentos e tecnologias. Nas cirurgias de tumor, o Aspirador Ultrassônico ajuda na remoção das lesões com mais rapidez, segurança e com menor sangramento. Em diversos procedimentos, o neurocirurgião pode utilizar um equipamento chamado de Neuronavegador, que indica o caminho e a localização da patologia, funcionando como uma espécie de GPS. Em algumas cirurgias é possível utilizar uma câmera embutida na ponta de determinados instrumentos, como o Neuroendoscópio. Lesões em artérias, como os aneurismas, por exemplo, atualmente podem ser tratadas sem que haja necessidade de uma cirurgia no crânio, através de cateteres inseridos no interior dos vasos sanguíneos. Aparelhos de Estereotaxia permitem o acesso a áreas profundas do cérebro através de agulhas com precisão milimétrica.
Sistema de neuronavegador para localização precisa de lesões durante a cirurgia
Os avanços são grandes e a medicina não para de se aperfeiçoar. A neurocirurgia vem evoluindo há milhares de anos, porém, a previsão é que no futuro talvez aconteça o inverso, ou seja, as pessoas vão precisar cada vez menos de cirurgias. Espera-se que o tratamento clínico e a prevenção das doenças sejam suficientes para a maioria das patologias e que as pessoas não tenham que ser operadas.